Bong Joon-Ho escreve certo por linhas tortas em "Parasita"




O cinema do sul-coreano Bong Joon-Ho, apesar de passar por diversos gêneros, sempre trabalha com tópicos muito únicos, e que se repetem, ainda que por visões singulares.

A presença forte do círculo familiar, e como ela interfere na visão de mundo de seus personagens, é visto com extrema clareza em sua filmografia – desde no filme-de-monstro “O Hospedeiro” até o drama criminal “Mother – Em Busca Pela Verdade” -, além, claro, soma-se também a questão social e política – a crítica as grandes corporações, a preocupação ambiental e experimentos em animais em “Okja”, a luta de classes, contra a ordem social vigente, em “Expresso do Amanhã” -, ou seja, temas recorrentes que, ao ganharem nova roupagem, tendem a sempre nos surpreender outra vez.

Nesse sentido, “Parasita”, seu novo longa – exibido dia 1 de novembro no Noitão do Cine Belas Artes, e com estreia no dia 7/11 -, representa a junção de todos esses elementos.

O resultado, no entanto, coloca em xeque suas virtudes.

Na história, escrita pelo próprio diretor, acompanhamos os Ki-Taek, uma família, que estando toda desempregada, e vivendo em uma espécie de porão, é obrigada a achar maneiras inusitadas de ganhar dinheiro. A situação muda quando o filho ganha a oportunidade de trabalhar como professor particular para uma família rica. Então, pai, mãe, irmão e irmã bolam um plano para todos, um a um, se infiltrarem ali e viverem também aquela vida burguesa. O que não sabiam é que todas as mentiras e segredos necessários para ascenderem socialmente custará caro a todos.

Tal como um bolo, o roteiro de “Parasita” também se divide em camadas. Todavia, conforme avançamos em minutagem, percebemos que não lidamos com um conto sobre, somente, divisões sociais e os papeis de cada um na sociedade, mas muito sobre o sistema que há acima de nós, e os caminhos que devemos seguir para atingirmos certos patamares. (Ainda que nada seja garantido, e muitos consigam um status alto simplesmente por laços de sangue).

Em outras palavras, se assemelha, temática e narrativamente, muito mais a “Elysium” do que à “A Mão que Balança o Berço”, por exemplo.

Todavia, o diretor não se distância nunca dá ideia social, o cerne de "Parasita". Como já visto em outros trabalhos seus, a linguagem cinematográfica se apresenta muito para reforçar questões impostas. Por isso, claro, a adesão de planos, ora mais fechados, para tonificar a claustrofobia de certos ambientes, ora mais abertos, a fim de exaltar os grandes espaços da casa da família rica. Da mesma forma, a direção de arte dá vida própria a cada um desses cenários. Toda a importância dos formatos e cores são elementos-chave para a percepção de cada realidade. Não á toa a mansão é completamente simétrica, enquanto o porão habitado pela família protagonista faz questão de parecer mal formatado. Da mesma forma, é perceptível a escolha de mostrar o colorido de cada ambiente da mansão – principalmente todas as cenas envolvendo uma varanda – como contraponto do acrômico porão. Não obstante, vale-se notar o uso da janela como forte elemento de cena e filosófico do filme; Enquanto a janela do porão dos Ki-Taek os faz ver os piores detalhes de onde vivem, e é também causadora de uma das cenas-clímax de “Parasita”, na mansão, é reflexo de uma vida de tranquilidade e estabilidade. 

Mas seu enredo, apesar de bem costurado e coeso em sua estrutura de narrativa, não se mantém. Quando precisa finalmente chegar à sua conclusão - o fim da jornada dos protagonistas -, o roteiro, infelizmente, apela para o conhecido Deus ex machina, e acaba por, a partir disso, mudar sua chave de gênero, a custo de um encerramento quase apoteótico, condizente, mas que não justifica seu processo.

Ao menos Bong Joon-Ho consegue nos fazer perceber uma das maiores verdades do mundo (muito mais do que com seus filmes anteriores): a de que o sistema nunca muda, só se molda.

(Escrito dia 6/11)

Por: Victor Braz

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