Army of Dead - Invasão em Las Vegas
Ao dirigir o remake do clássico de 1978, Zack Snyder, em seu debute como diretor de cinema, sabiamente adotou a ação de ritmo frenético como o forte de Madrugada dos Mortos, de 2004, jogando possíveis interpretações e reflexões para o segundo plano - ainda que tenhamos ótimos momentos, como o do segurança de shopping vivido por Michael Kelly, que, mesmo diante de um apocalipse à sua espreita, continua a proteger as lojas e, claro, abusar de seu falso poder. Em seus trabalhos seguintes, sempre manteve-se autoral, com forte estilo e temáticas bem estabelecidas, com um tom que trazia peso e complexidade aos personagens - o que só cresceu e se fixou ao realizar seus filmes com a DC. Contudo, seu lado de diretor publicitário, muito preocupado com o estilo e a beleza plástica das imagens, quase sempre anula, seu lado escritor - ou vice-versa - que, muito influenciado pela obra Frank Miller e Alan Moore, ansiava por realizar grandes histórias, repletas de ação, mas cheias de significados, diálogos inteligentes e filosóficos, e, claro, que ainda assim não perdessem seu cerne.
Army of Dead - Invasão em Las Vegas, seu primeiro projeto fora da Warner, indica uma maturidade, principalmente no que diz respeito a entender o que o filme precisa.
Escrito a seis mãos, tem uma premissa simples: após a fuga de um morto-vivo das dependências do exército ter feito a cidade de Las Vegas ser colocada em estado de sítio, um bilionário convida um veterano do exército a montar uma equipe e entrar na cidade, agora tomada por zumbis, para pegar 200 milhões de dólares trancados num cofre, antes dela ser detonada por uma bomba atômica.
Antes de mais nada, é necessário dizer que esta rápida sinopse, dada de maneira também ligeira no filme, não se leva a sério e, mais do que isso, sabe que não se sustenta, como se identifica no final. Se o clássico “grande assalto” não é o mote principal por si só, então o que temos é a dinâmica dos personagens. Em parte pela camaradagem entre alguns dos personagens, essas relações, que primeiramente parecem se dar somente pelo dinheiro envolvido, migram, com o tempo, para algo mais profundo - o que se torna um problema mais à frente. Entre a fatia maior do grupo de personagens, porém, ainda que a ligação seja pelo dinheiro, há um clima de dúvida acima de tudo. Essa hostilidade presente, claro, é entendida quando se leva em conta o contexto a qual o filme foi feito e, obviamente, quando foi lançado. Se Watchmen, levado às telas por Snyder em 2009, apresenta uma versão alternativa da década de 1980 em que há vigilantes e um super-ser no mundo e onde os EUA foi tomado pela paranóia da Guerra Fria, Army of Dead é fruto direto do ambiente político atual dos Estados Unidos, na época ainda sob a gestão Trump, que propaga a divisão, o preconceito e o ódio. O resultado disso é uma série de diálogos que explicitam a descrença na “América”, algo que perdura por toda a minutagem.
Também há, claro, uma presença desse clima na trama. Assim, temos presentes questões como a quarentena forçada - em que uma simples queda de temperatura ou demonstração maior de "agressividade" levam pessoas a serem isoladas e ficarem presas por tempo indeterminado, sem maiores explicações ou perguntas, o que então, somente leva à conclusão de que o governo estaria usando da presença de zumbis como prerrogativa para fazer presos políticos -, sem falar quando se noticia que o presidente pretende explodir Las Vegas num quatro de julho porque seria "muito maneiro e patriótico". Estes segmentos, mesmo que se apresentando ao fundo das cenas ou em diálogos pontuais, deixam claro que os Estados Unidos representam um problema, e não a solução, como quase sempre no cinema de ação.
Pelos mesmos motivos, não precisamos de muitas explicações sobre o passado dos personagens, suas motivações e nem, acima de tudo, possuir dúvidas sobre reviravoltas ou o caminho pelo qual o roteiro seguirá. Num momento em que o desemprego cresce e que as relações de trabalho mudam na "terra das oportunidades", não temos dúvida de que um possível veterano do exército (personagem de Dave Bautista), com uma medalha de honraria máxima no currículo, ainda sim mora sozinho num cubículo e possui um emprego que mal lhe sustenta, da mesma forma entendemos, desde a primeira cena, que a real motivação do bilionário Tanaka (personagem de Hiroyuki Sanada) não são os milhões, e sim algo maior presente em Vegas. Essa descrença do "sonho americano" e do que seria um país livre, algo tão alimentado também pelo cinema, é o motor que conduz a narrativa, isto é, representa motivos mais do que suficientes para que os personagens decidam ir á uma missão suicida por dinheiro - e, aliás, ver que a dupla principal ficará com a maior fatia e os outros integrantes receberão uma quantidade cada vez menor, sem pestanejar, é um momento cômico involuntário do filme.
E, claro, a presença de uma classe inteligente de zumbis - elemento jogado no meio de um diálogo, mas que rapidamente mostra sua verdadeira utilidade -, ainda que deixe de lado questões mais aprofundadas de lado para dar lugar a uma história de vingança simples, é utilizada com esperteza quando percebemos as suas reais intenções: uma vez que os mortos-vivos são maioria e possuem uma hierarquia e até regras, representam uma nova sociedade; os humanos, nesse caso, tornam-se os invasores, que precisam barganhar para andar naquelas terras. Esta inversão, contudo, somente ganha um contorno maior lá pela metade do tempo de duração percorrido, quando a história entra no momento de urgência e a perturbação humana já está mais do que instaurada.
O curioso, claro, é perceber que este tipo de relação está presente na filmografia de Snyder desde antes. Quando a problematização em torno do papel do Homem de Aço é capturada por Lex Luthor, que a usa em interesse próprio, ou quando Ozymandias se aproveita da existência de um deus real, o Dr. Manhattan, no final da adaptação de Watchmen, para realizar o seu plano final, percebemos que, ainda que possamos estar bem intencionados, para Snyder, o ser humano sempre vai jogar a sua culpa num outro. Por outro lado, há outra parte de sua obra que, justamente, flerta com histórias de vitória e que, curiosamente, caem no fatalismo rápido demais - como 300 e o próprio Madrugada. Army of Dead - Invasão em Las Vegas, neste sentido, representa um ponto de convergência e, mais do que isso, uma ideia de que perdemos tanto nossa humanidade, que até mesmo zumbis possuem mais civilidade e união do que nós.
Por: Victor Braz
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