A Voz Suprema do Blues - Crítica
A transposição da energia
e da troca entre público-elenco dos palcos para o ritmo, a montagem e toda a
complexidade de linguagem de uma produção cinematográfica são a prova final
para uma boa adaptação do teatro à tela grande.
Nesse sentido, A Voz
Suprema do Blues, de George C. Wolfe, baseado na peça de August Wilson
datada de 1984, se sai muito bem a partir do momento em que adere a um escopo
reduzido, contando assim uma história bastante enxuta, funcional e que não
corre o risco de se perder ou entregar-se a clichês. De maneira concisa e sem
mais delongas, compreendemos em que o roteiro de Ruben Santiago-Hudson irá focar
muito rapidamente: em menos de dez minutos, mais ou menos. Numa introdução em
flashback, já somos apresentados aos conflitos que permearão a trama – a tensão
sexual entre Levee (o finado Chadwick Boseman) com a dançarina Dussie Mae
(Taylour Paige), a desconfiança de seus colegas de banda Toledo (Glynn Turman),
Cutler (Colman Domingo) e Slow Drag (Michael Potts), além, claro, de seu atrito
com Ma Rainey (Viola Davis), por conta do desejo de estrelato do mesmo -, além
de, após isso, em poucos diálogos, entende-se também a relação problemática envolvendo
o dono de gravadora Mel Sturdyvant (Jonny Coyne), Raney e seu agente Irvin (Jeremy
Shamos).
Por outro lado, essa
escolha de um filme “pequeno” – tanto em trama e seu escopo quanto de tempo de
duração – e que se atém muito ao material fonte, acaba por impedir que a
história cresça e ultrapasse a barreira do texto de origem teatral.
Dentro de suas pouco mais
de uma hora e meia, além da introdução, quando temos um vislumbre da força de
Ma Rainey durante seus shows, se estabelece o estúdio como o cenário principal –
sendo entrecortado por cenas pontuais, mostrando seu exterior, numa rua de Chicago
(por meio de um competente, mas óbvio fundo verde) e o beco de entrada para ele – além de
uma cena numa espécie de hotel e, posteriormente, uma tomada num pequeno
mercado e a vitrine duma loja de sapatos. Felizmente, a direção de George C. Wolfe
conduz de forma eficaz a narrativa e, acima de tudo, impede que o ritmo caia
devido à história estar confinada a um único espaço. Seu sucesso pode ser
compreendido pelo fato de que há uma frequente alternância entre a sala de ensaio
da banda e a área de gravação, além de uma movimentação certeira da câmera,
favorecendo o espaço cênico, a dinâmica entre os núcleos da história e, claro, as
atuações.
Sob certo prisma, o
longa, em seu minimalismo - no sentido da história que quer contar e em como a
retrata -, serve como um veículo para o elenco, especialmente suas estrelas
principais. Em último papel, Chadwick Boseman demonstra todo seu potencial numa
performance energética, palavrosa e com extensos monólogos – dois, em especial,
já valeriam sua indicação, sendo igualmente lotados de sentimentos e
extremamente poderosos – e trabalho corporal – algo mais digno dada a magreza
do ator, que já estava sob tratamento durante as gravações. Sempre incrível,
Viola Davis entrega aqui uma atuação poderosa, encarnando uma protagonista
forte, talentosa, mas que parece estar sobre uma pressão constante –
característica presente em todos do elenco. Os outros três integrantes da banda,
da mesma forma, estão bem inseridos em seus papeis e tem seus momentos de
brilho, em diálogos de qualidade e de peso.
Contudo, os demais
integrantes de apoio sofrem com um grave problema na direção: as obviedades. Diversas
decisões do roteiro são marcadas por uma desnecessária falta de sutileza que
somente enfraquecem algumas performances. Ainda que pareça ganhar uma maior
profundidade a partir de determinado momento, a subtrama envolvendo Levee,
Raney e Dussie curiosamente é abandonada justamente quando estava por ganhar um
contorno mais sério – além disso, a interpretação, com tons acima do necessário
de Taylour Paige, enfraquece esse segmento e tira seus méritos. Além disso, a
falta de contexto prejudica o embate entre Rainey e Sturdyvant, uma vez que não
sabemos de transtornos predecessores, o aborrecimento entre ambos, mediado pelo
agente interpretado por Jeremy Shamos, acaba por afracar – e a interpretação de
Jonny Coyne, ainda que com uma energia genuína, não passa para a espectadora o
pulso necessário.
Incomoda também a linearidade
total adotada para a condução da trama. Diversos acontecimentos ou revelações
sobre o passado das personagens são quase que inteiramente fornecidos por
texto, nunca mostrados, o que tira o peso muito rapidamente desses momentos.
Nessa mesma linha, a montagem é também problemática nesse sentido, uma vez que vemos
um grande monólogo arrebatador sendo seguido por um corte brusco para outro
bloco de cena, como se aquilo não tivesse verdadeiramente acontecido.
A Voz Suprema do Blues é,
então, um filme ambíguo: ao mesmo tempo em que trabalha com coesão diversas
sequências, perde a mão em outras; toma decisões problemáticas, mas as conduz
de maneira correta; tem personagens ricos num período de polêmicas e que
renderiam grandes discussões, mas se acomoda num escopo menor, não crescendo e
se expandindo – tanto em história quanto em roteiro. Em resumo, é convincente e
bem realizado no que se propõe, mas perde a chance de se aprofundar e falar
mais sobre essas personagens que mereciam tão mais reconhecimento.
Visto na Netflix, 2021.
Por Victor Braz
Só tua resenha me deu vontade de assistir. Vou fazer isso, hoje.
ResponderExcluirLegal! Assistirei o filme!
ResponderExcluirBela análise!
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