Assassinos da Lua das Flores, de Martin Scorsese - Uma Análise: parte 1

 

Eu estava na sessão de Oppenheimer, de Christopher Nolan, quando começou o trailer de Assassinos da Lua das Flores, o novo filme do lendário Martin Scorsese. Eu não tenho o costume de assistir aos trailers, mas o que eu poderia fazer? Fechar os olhos e tapar os ouvidos? 

O trailer era incrível. Explosivo, intenso, dramático. Como um típico longa do diretor. Acontece que, assistindo-o finalmente, percebo que aquela peça de divulgação era, em algum sentido, enganadora. O filme é sim explosivo, intenso, dramático, e muito mais, porém, com muito mais sensibilidade, calma e refinamento estético. 

Os estouros de violência estão presentes, os movimentos rápidos de câmera também, tal como as escolhas narrativas inusitadas, mas em doses menores. Scorsese não precisa desses elementos, ele os usa quando quer, e brinca com eles, e com nós, o público, que tem a experiência de um filme cujo diretor está sob o pleno domínio de seus poderes.

Como o filme é uma das estreias do mês - estou escrevendo no dia seguinte à estreia, dia 20 de outubro de 2023 -, vou me concentrar agora em aspectos técnicos e na direção, para falar depois de outros pontos da história em mais detalhes - o que deve ficar mais à diante, com spoilers, é claro.  


Parte 1 - Épico de drama e crime, thriller de investigação

Antes de mais nada, a história, baseada em fatos e no livro homônimo de David Grann:

No final do século XIX, indígenas Osage enriquecem após se descobrir que as terras em que viviam eram ricas em petróleo, o “sangue negro”. 

Corta para 1920. Uma onda de misteriosos assassinatos de indígenas da tribo altera o cotidiano do pequeno, mas próspero, condado de Fairfax, Oklahoma. No centro dessa trama sangrenta está Ernest Burkhart (papel de Leonardo DiCaprio), que precisa lidar com as pressões de seu tio, o magnata William Hale (vivido por Robert De Niro), e de sua esposa, Mollie (a ótima Lily Gladstone), que, mesmo doente, luta para encontrar justiça. 

Tudo muda, porém, quando um recém criado FBI chega à região para investigar as mortes. 


Petróleo, mortes, criação do FBI. Cultura indígena. A reconstituição de crimes e suas resoluções. Núcleos dramáticos. Diversos pontos de vista.

Esses são alguns dos tópicos principais abrangidos ao longo dos incríveis 206 minutos de duração de Assassinos da Lua das Flores, sob os quais Martin Scorsese realiza, basicamente, dois filmes em um. 

O primeiro é um épico de drama e crime, que se inicia, após uma rápida introdução sobre a história dos Osage, com a chegada do personagem de DiCaprio à Fairfax, onde conhece seu tio e passa a realizar serviços de motorista. É aí que conhece Mollie, e é a partir disso que as mortes passam a se intensificar. 

É, para falar de um exemplo mais recente da longeva carreira do diretor, um longa de temas muito mais complexos do que O Irlandês, seu projeto anterior, também um épico de crime e drama, que tratava sobre a história de uma vida, além de concentrar-se em um grande caso de assassinato. Entre esses tópicos, posso falar de jogo de interesses, cobiça, acumulação de riqueza, branqueamento racial. São somente alguns dos itens que consigo pensar de cabeça presentes aqui, excelentes temas de discussão que o filme abre para nós discutirmos. 

O segundo é o thriller de investigação. Estruturado e desenvolvido de maneira distinta, essa parte do filme, além de precisar lidar com a entrada de um novo núcleo de personagens e o impacto deles para com os outros e para a cidade como um todo, ainda tem de ser o fechamento da história, finalizando arcos de personagens.

Scorsese trabalha do específico indo ao geral. O ponto de vista principal é de DiCaprio, e é a partir dele que conhecemos aquele mundo, seus personagens, é a nossa entrada. O que se segue é a abertura, conhecemos o funcionamento daquela realidade, uma em que indígenas são os detentores das terras, mas ainda assim mantidos longe dos negócios que nelas são feitos, esse papel é dos brancos, que, é claro, mantém um pacto social entre si. Falam a língua dos nativos, conhecem sua história e a respeitam, mas mantém uma visão colonizadora, de que os indígenas não iriam prosperar por conta própria. Esses tópicos se dão via os diálogos, mas também nas atuações e, claro, na construção das cenas. Há sempre uma tensão no ar, e um sentimento de insegurança. 

O ponto de vista, então, se alterna para o de Mollie, que embarca os maiores núcleos dramáticos da história, ela é uma vítima, mas, acima disso, um marco de resistência, e isso é trabalhado ao longo do roteiro, com a personagem de Lily Gladstone ganhando maior protagonismo. 

Se em níveis estruturais vamos do específico ao geral, dentro do filme isso se traduz em níveis de peso na narrativa, de intensidade crescente, um terror que vai se acumulando até estourar. O interessante é notar o controle de Scorsese para com a condução, pois, semelhante ao que ocorre com Oppenheimer - o qual eu escrevi aqui, parte 1 e 2 -, após esse momento de escalonamento de tensão, uma outra vertente da trama se abre, e há mais filme por vir. 

A diferença de cadência para o segundo momento de Assassinos da Lua das Flores se dá pela entrada de um terceiro ponto de vista, dos investigadores, e, principalmente, pela dramaticidade crescente, que substitui, hipótese minha, a adrenalina da primeira parte. A gravidade dos atos e o preço a pagar  sobre as ações é um tema importante na filmografia de Scorsese, e esses temas aparecem aqui a partir desse ponto. Contudo, é aqui que entro em um problema do filme, a falta de ambiguidade nos personagens, com foco nos de De Niro e DiCaprio. O primeiro, um formidável ator, aqui realiza uma interpretação de mafioso típica, educado, mas implacável, e suas segundas intenções sempre são óbvias - ainda que a atuação seja sólida, a maneira como ela se encaixa no andamento da história considero problemática; já o segundo, ainda que dê uma performance enérgica e com certas nuances, estas são usadas ao que o momento pede, dessa forma, a inocência do personagem, por exemplo, aparece e desaparece ao longo da trama. 

O epílogo também faz parte da estrutura das obras do diretor. 

Aqui, ele contém uma dose extra de sensibilidade e uma decisão de narrativa e estética encantadora. Trata-se, afinal, de uma história que vemos até hoje, de distintas formas. Histórias sendo apagadas, línguas que vão desaparecendo, pessoas, os indígenas, que precisam sempre lutar para ter seus espaços. E eles resistem, até hoje.

A parte 2 - quiçá 3, provavelmente - deve sair em breve, pois terá spoilers. 


Por Victor Braz


Comentários

  1. 👏🏿👏🏾👏🏽👏🏼👏🏻👏

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  2. Ao ler essa crítica, me interessou em dobro assistir ao filme; o que vou fazer em breve. Espero pelas outras partes críticas com muita curiosidade.

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  3. Daqueles filmes que possivelmente tenhamos que assistir mais de uma vez, pra absorver todas as temáticas e personagens!! Adorei

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