Critica: As Mil e Uma Noites (2015)
Estreante em 2008 com Aquele Querido Mês de Agosto, Miguel Gomes fez em seu debute um longa cheio de metalinguagens, sobre uma equipe de filmagens que vai gravar na parte rural de Portugal, onde há inúmeros imigrantes, e passam a gravar o dia-a-dia do local, mostrando sua rotina, os conflitos entre moradores, os eventos, e fazendo disso sua história. A antítese de seu primeiro projeto, em Tabu (2012) esqueceu o estilo documental e fez ficção, em homenagem ao clássico de mesmo nome dirigido por Murnau de 1931, Gomes faz uma película inteiramente em preto e branco em clara sintonia com o cinema mudo, e que se passa inicialmente no começo da Guerra Colonial Portuguesa narrando os dias de três amigas que vivem em Lisboa. Passado hoje na íntegra (dia 6) no MAM, em seu formato original, como em Cannes, As Mil e Uma Noites, dividido ao redor do mundo em três longas-metragens - com um pouco mais de 2 horas cada -, é a resposta do diretor á crise que afeta as terras lusitanas. Mostrando a história através dos acontecimentos entre agosto de 2013 e julho de 2014, onde Portugal foi comandada por um governo desprovido de qualquer senso de justiça social e distribuição de riquezas, fazendo assim o pais entrar em ruína e deixar seu povo pobre, Miguel Gomes faz seu retrato á mão livre, onde Xerazade conta suas histórias afim de não ser morta pelo rei - que tinha o costume de matar suas noivas após ter lhes tirado a virgindade -, durante 1001 noites, e todas elas são visões da crise com a estrutura do livro de mesmo nome.
De início vemos uma equipe de cinema que esta fazendo um filme sobre á crise, o diretor, o próprio Miguel Gomes, que esta prestes a perder a cabeça, já que uma infestação de vespas atrapalha as filmagens, e o tempo é curto, o dinheiro também, então ele acaba fugindo, deixando todos preocupados e indo á sua procura, após ser encontrado, e deixado todos furiosos por ter abandonado sua equipe, o diretor narra uma série histórias para deixar todos calmos, na qual Xerazade também fazia para ter a vida poupada. Esse é o começo de O Inquieto, a primeira parte da trilogia, que é composto pelas histórias "O Homem do Pau Feito", "A História do Galo e do Fogo" e "O Banho dos Magníficos". As outras duas partes (cujos nomes são O Desolado e O Encantado, respectivamente), com outras três histórias cada, são mais incisivas, com contos que escancaram toda a realidade na crise, sempre com analogias bem definidas e com personagens e acontecimentos que mostram as várias faces dos problemas em Portugal.
O volume 1 é mais emergencial e ilusório, a primeira história é a mais lúdica de todas, já a segunda parte é mais filosófica e interpretativa, como a história do cão Dixie e de outros moradores do prédio (que é a única história dividida em capítulos, sendo a mais longa) e o terceiro volume é o esperançoso, que mostra á luz do fim do túnel na crise, mostrando nas entrelinhas uma solução para o todo.
Apesar de não conhecer muito o trabalho de Gomes, As Mil e uma Noites não é sua obra prima como muito estão falando. Primeiro que a estrutura dos três, com mais de 2 horas de duração poderia ser menos longa. A última história de O Desolado é simplesmente longa demais e poderia ter ficado um pouco mais na sala de edição, mas não que tire os méritos, os planos sequência que sempre estão presentes nas três partes são muito bem dirigidos, exaltando as atuações, dando crédito ao "O Banho dos Magníficos", onde há relatos de algumas pessoas e são todos em plano sequência com câmera parada. E há também "As Lagrimas da Juíza", a segunda do volume 2, que é a mais bem humorada, mostrando um julgamento -com clara crítica a má distribuição de riquezas do governo português - que não tem fim e com um desencadeamento de novos culpados á todo momento, fazendo a juíza encarregada chegar aos limites.
E também "As crônicas de Fuga de Simão Sem Tripas", sobre um fugitivo que cometera diversos assassinatos, sempre burlando as leis locais, que é a mais bem atuada. Mas o diretor consegue nos retratar a crise de forma surrealista, mostrando o presente e o passado, sempre fazendo sentido. E é seu filme que mais se repete com os outros. O documentarismo de Aquele Querido Mês de Agosto e a ficção em Tabu se juntam, vemos o famigerado docuficção, o amálgama entre os dois gêneros, e invés da homenagem á Murnau em seu longa de 2012, vemos aqui sua versão do livro que já havia sido adaptado por Pasolini em 1974, com outro viés. E as metalinguagens continuam, um diretor á procura de como fazer seu projeto acontecer, que recorre a contar histórias, e um filme sobre elas, numa visão estruturada por Xerazade, e consegue fazer sentido. Por mais que em certas partes pudesse ter sido mais curto, As Mil e uma Noites é o ótimo retrato de Miguel Gomes diante á crise que afeta seu pais, sua visão á mão livre, lúdica e verídica. Nota: 9/1
O volume 1, O Inquieto estreou dia 12 de novembro, as partes 2 (O Desolado) e 3 (O Encantado), ainda não tem data prevista para os cinemas brasileiros.
Comentários
Postar um comentário